Alain de Botton é um escritor e
produtor que se tornou famoso por popularizar e divulgar a filosofia ocidental
de uma forma acessível e simples, para que possamos colocá-la em prática no
nosso quotidiano.
Tal como no seu livro (“O Consolo
da Filosofia”), a série documental (que podem ver em baixo) tenta mostrar como
os ensinamentos de filósofos como Epicuro, Montaigne, Séneca, Sócrates, etc
podem ajudar-nos a resolver os problemas, dificuldades, angústias e aflições do
dia-a-dia do mundo moderno.
Alain de Botton tem recebido
elogios e críticas e muitos vêem a sua abordagem como uma aplicação terapêutica
da filosofia. Mas, na minha opinião, a filosofia não precisa da palavra terapia
para nada, assim como a arte também não precisa da palavra terapia, porque são
expressões da natureza humana e não podemos resumir tudo a terapias. É como se
tudo tivesse de ser visto como uma doença (e então converte-se tudo e mais
alguma coisa em doenças, ou melhor dizendo, perturbações, porque sempre é uma
palavra mais amável) e é engraçado que tudo é visto como uma doença e muitos
são vistos como doentes, mas nunca ninguém diz que o modelo de civilização é
doentio, aí ninguém toca. Se calhar, no fundo, até podemos estar todos doentes,
mas há uns que gostam de apontar o dedo aos outros. E, como alguém dizia, aqueles
a quem chamamos de “malucos” têm apenas uma doença diferente do resto da
população. Por exemplo, identificamos certas coisas como obsessivas e
rotulamo-las de neuróticas, e, ao mesmo tempo, aceitamos e incentivamos outras
que na realidade são igualmente absurdas… Obviamente que ninguém é perfeito e
as dificuldades existem, manifestando-se de uma maneira diferente em cada
pessoa e atingindo proporções e consequências também diferentes. No entanto, a
filosofia e a arte são coisas que nos fazem aperfeiçoar (ou então, se
preferirmos, são coisas que podem ajudar-nos a ter uma vida mais satisfatória,
uma vida com mais sentido, possibilitando-nos ser mais felizes) e servem para
todos, acrescentando coisas à nossa vida. Por isso, penso que tudo isto deve
ser visto mais neste sentido e não como algo que vem e tira uma doença. Talvez
os comportamentos, por muito mal que nos possam fazer, não possam ser
considerados doenças e, a não ser que haja uma alteração orgânica, química ou
de outra natureza que possa ser comprovável, comportamentos são só
comportamentos. Afinal de contas, o que são doenças? Mas isto já é assunto para uma outra
publicação… Para além disso, aqueles que pensam que só meia dúzia de
“iluminados” é que têm o direito de filosofar e fazer arte, desenganem-se!
Voltando aos documentários, aqui
estão alguns exemplos daquilo que não se ensina nas nossas escolas, ou então
apresentam a (s) filosofia (s) da forma mais enfadonha possível (ou só
apresentam a filosofia ocidental, o que torna as coisas um pouco pobres), de
maneira a não estimular muito os jovens (ou os adultos) a reflectir, porque
reflectir de vez em quando pode ser perigoso...não convém. Mais importante será,
por exemplo, enfiar matemática/aritmética à força na cabeça das pessoas desde
muito cedo, que também tem a sua importância, mas depois negligenciam-se outras
coisas que podem vir a ser preciosas. Ou então obrigam a "escolher" (quando
deixam escolher… e, mesmo nesses casos, não há ou não havia muita margem de
manobra) obras de autores, no que diz respeito à língua portuguesa, que em
termos práticos, e em certos casos, não têm muito a oferecer à vida das
pessoas, que exageram nos floreados, nas retóricas, e complicam tudo (obras escolhidas
pelas elites intelectuais das literaturas, etc, e pelos nacionalismos arcaicos).
E que tal se deixassem as pessoas em paz e lhes perguntassem o que é que elas realmente
querem ou gostariam de ler? O nosso sistema de ensino ainda se assemelha a uma
fábrica ou linha de montagem, com pouco espaço para a criatividade, não se
respeitam as diferenças e tudo tem de ser uniformizado. E depois aparecem as
honrarias, a competição, o estimular da ambição pessoal a todo o custo e de
forma errada. Uns têm mérito, outros são excluídos. Podem ser excluídos por
culpa própria, mas, em muitos casos, talvez sejam excluídos porque o sistema de
ensino não compreende as suas características pessoais e, por isso, não sabe
retirar o melhor de cada um. Para além de sabermos que há muitos tipos de
inteligência, mas só se valorizam umas coisas e outras não.
Depois o que se segue? Andamos
com currículos nas mãos a competir com toda a gente… é a nossa arma especial. Currículos
que, como alguém já disse, dizem tudo o que já fizemos, mas não dizem tudo
aquilo que pensamos, queremos, sentimos e somos…. E, por isso, somos avaliados
e até julgados não por aquilo que somos de facto, mas por aquilo que fizemos ou
atingimos. Neste aspecto, talvez um equilíbrio fosse importante… Compreendo
perfeitamente que, dentro deste sistema de coisas, o CV tem a sua importância,
mas não deixo de achá-lo uma coisa deprimente, desumana até, mecânica, um tipo
de pragmatismo frio em que a pessoa fica reduzida a um currículo. Depois, no
final, tratamos as pessoas pelos títulos universitários, e, em muitos casos,
confundindo licenciaturas com doutoramentos. Nascemos sem nome e morremos com
um nome e cheios de títulos ao peito. Os títulos são joguinhos que deveriam
ficar dentro das instituições que os criaram e não devem ser usados na vida social.
Na verdade, é um modelo desactualizado que surgiu como uma das formas de
distinguir as classes sociais, ou seja, as elites e as classes sociais
superiores usaram-se desses esquemas para exercerem poder e estatuto sobre as
classes mais baixas.
Também verificamos que hoje está
em voga a meritocracia e acreditar em meritocracias, dentro do sistema actual
de coisas, é um completo engano. Somos levados a acreditar que podemos ser/fazer
tudo o que quisermos, que podemos ser como fulano ou sicrano, mas não passa
tudo de mentiras e pura e simples lavagem cerebral. Fazem-te acreditar que,
desde que te esforces e tenhas muito boas ideias, podes conseguir quase tudo. A
verdade nua e crua é que a maior parte das pessoas nunca chegará a ser um CR7, um
Bill Gates, um brilhante e bem-sucedido cientista ou mesmo ocupar um bom cargo
e uma profissão qualquer de muito estatuto e prestígio social. Fazem-nos
acreditar que um dia podemos ser todos ricos ou seja o que for, mas é tudo falso
e o sucesso é sempre medido pela filosofia vigente e pelo modelo dos outros e
nunca pelo nosso próprio modelo. A maior parte de nós não passa de simples
escravos. Por isso, considero as meritocracias ridículas, irrealistas e, isto
sim, é uma utopia impossível, porque, para uns ficarem no topo e terem mais
sucesso, outros terão de ficar em baixo, isto é do senso comum e nunca haverá
equilíbrio a não ser que todos sejam iguais de uma outra forma. Para além
disso, são ideias perigosas, principalmente para aquelas pessoas que não
atingem esse sucesso, porque são gerados sentimentos de culpa e outros tipos de
coisas nefastas… não é por acaso que a taxa de suicídios é maior nos países
desenvolvidos que partilham este tipo de filosofias de vida. Em seguida
verifica-se outro fenómeno: quando não tens “mérito”, és reduzido a um falhado
e depois aparecem as “almas caridosas” prontas para acabar com o trabalho
iniciado pela sociedade. São os abutres, como eu lhes costumo chamar, que em
vez de colocarem o dedo na ferida e alertarem para a verdadeira raiz dos problemas
que muitas vezes têm causas sociais antinaturais profundas (embora eu também
não coloque de parte outras causas), apenas oferecem a sua “ajuda”,
aproveitando-se da situação para ganhar dinheiro e estatuto, com palavreado
muito técnico e grandes teorias, porque assim impressionam mais e parecem mais
credíveis. As situações menos boas muitas vezes acontecem devido à constante
tentativa de adaptação a esquemas nefastos que violam a própria natureza da
pessoa (embora, em boa parte das situações, a pessoa não esteja consciente disso).
Torna-se assim difícil julgar os
outros dentro destes esquemas e crenças meritocráticas, porque existem vários
factores que podem ou não levar àquilo que aceitamos e chamamos de sucesso e
não podemos controlar todos esses factores. E os parâmetros de medição/
avaliação, em boa parte das situações, não se adaptam a muitos tipos de
características pessoais. Mas, claro, se fores um fundamentalista da direita
neoliberal, então a verdade é que se alguém é um falhado, isso deve-se ao facto
de ser um malandro que vive à custa de subsídios ou algo do género, portanto
são generalizações absurdas, próprias de gente com grandes interesses ou que
foi submetida a uma lavagem cerebral feita por políticos também absurdos,
porque prometeram-lhes que um dia podiam ser ricos e bem-sucedidos, e é
verdade, alguns serão, mas não a maioria… e eles acham que, afinal de contas, um
dia poderão ser mesmo muito ricos!
A conclusão que podemos tirar
disto tudo é que o ser humano é demasiado sugestionável, reflecte pouco e é
sujeito a lavagens cerebrais constantes que vêm de todos os lados (os media, a
família, os amigos, a publicidade, colegas de trabalho, etc, etc ) e esse é o
problema, e, por isso, torna-se cada vez mais necessário saber um pouco sobre
filosofia e estar aberto a novas ideias.
É preciso ter cuidado com alguns modelos
de pensamento que vêm de fora, porque, com tanto ruido à nossa volta, podemos
não chegar a saber o que realmente queremos e a forma como nos vemos a nós
próprios pode estar a ser demasiado influenciada por factores exteriores.
Sucesso sim, mas não podemos
definir sucesso com as palavras dos outros ou por influência de lavagens
cerebrais. E, muitas vezes, perdemos primeiro para ganhar a seguir e vice-versa,
nunca sabemos porque é que realmente as coisas acontecem e certas perdas podem
ser sucessos e certos sucessos podem ser perdas…
Por isso, no seguimento de tudo o
que já disse (ou escrevi) e para finalizar, o objectivo de estar a par da
filosofia, de determinadas ideias ou mesmo métodos, seja o que for, não é doutrinar
ninguém ou ganhar mais cultura geral (reunir coisas na cabeça para debitar mais
tarde), mas sim oferecer a cada pessoa a oportunidade de tomar melhores
decisões/escolhas, de conhecer diferentes pontos de vista, de reflectir de
forma mais aguçada sobre coisas práticas e essenciais da vida e construir o seu
próprio caminho baseando-se nos insights que vai recolhendo aqui e ali. Não são
pílulas milagrosas que resolvem todos os problemas, mas podem ajudar e clarificar
muitas coisas, dando maior liberdade de pensamento, etc.
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