O argumento da natureza humana
como desculpa para defender o sistema e determinado (s) tipo (s) de cultura (s)!
Não vale a pena mudar nada porque
a natureza humana é e sempre será assim ou assado, dizem alguns. Algumas
pessoas pegam sempre no argumento de que os seres humanos sempre serão assim ou
assado, porque é a natureza humana e essa é imutável. Mas o que é natureza
humana e o que não é? É o velho debate! Somos levados a acreditar que certos
aspectos fazem parte da natureza humana e são inalteráveis, mas certas coisas
podem ser simplesmente produto de uma cultura e não coisas inatas.
O ser humano tem defeitos e
virtudes em graus diferentes. Nós podemos apenas chamar-lhe características em
vez de dizer que são defeitos ou virtudes, porque às vezes as coisas são
relativas e o que aparenta ser um defeito mais tarde revela-se como uma virtude
e vice-versa… Também sabemos que por vezes o ser humano simplesmente adapta-se
ao que tem pela frente e desenvolve o que for preciso, mesmo que, por exemplo,
tenha de usar certos comportamentos que poderiam ser evitáveis. Por isso, em
vez de moralizar excessivamente, o que podemos fazer é implementar um modelo
diferente para viver em comunidade, respeitando a individualidade de cada um.
Todos temos necessidades humanas
e podemos sempre escolher melhores modelos para viver em comunidade, modelos
que visem preencher essas necessidades, na base da cooperação e partilha, para
o benefício de todos. Isso não vai contra a nossa natureza, antes pelo
contrário.
Há características que podem ser
comuns a todos, há muitas diferenças entre as pessoas, há hábitos muito
difíceis de mudar, mas o que é realmente natureza humana e o que não é?
Ganância, por exemplo, faz parte da natureza humana? Muita gente quer que
acreditemos que a ganancia faz parte da natureza humana e é algo que não pode
ser mudado nunca. Essa crença convém ao sistema, e assim, uma vez que o ser
humano é intrinsecamente ganancioso e egoísta, não vale a pena fazer nenhuma
mudança, até porque qualquer proposta de mudança iria levar-nos para a ruína (tipo união-soviética), é isso que eles querem que todos pensem!
Gradualmente, podemos potenciar
determinadas características e visões do mundo e, com isso, enfraquecer outras
tendências desarmoniosas. Certos comportamentos apenas se manifestam se houver
condições para tal suceder, assim como os genes, o ambiente pode ligá-los e
desligá-los (como alguns referem). Para além disso, agora há pesquisas que
sugerem que os efeitos das mudanças no estilo de vida, os efeitos dos hábitos e
das experiências de vida podem passar para outras gerações (num curto espaço de
tempo). De lembrar que também acreditavam que o cérebro era “estático” e agora
descobriram que o cérebro tem plasticidade e que certos hábitos e práticas
modificam literalmente o cérebro, inclusivamente tendo um impacto nas nossas
emoções e reacções. Para além disso, há boas razões para acreditar que, por
exemplo, o estado emocional de um grupo de pessoas reunidas num determinado
momento pode influenciar o comportamento de uma comunidade inteira. De qualquer
forma, acredito que somos mais do que genes e ambiente (e ainda há muita coisa
nisso da genética que está por explicar), há algo mais em nós e o ponto de
partida pode ter sido muito antes do nascimento.
As pessoas não têm noção da força que o subconsciente
exerce em nós. Os primeiros anos de vida são similares a autênticos estados
hipnóticos, somos demasiado permeáveis a tudo, aprendemos e copiamos um monte
de comportamentos, sentimentos, etc e muitos desses comportamentos e
sentimentos ficam enraizados. Depois ficamos mais conscientes da nossa vida, o
que não quer dizer que a hipnose não continue, ela continua, mas já de forma
diferente. Todas as experiências na vida podem ter a sua importância. E existem
certos aspectos que, de tão enraizados, podem ser muito difíceis de mudar,
embora não seja impossível… A nossa vida é em grande parte gerida por
comportamentos e reacções subconscientes. Por isso, estudar novas ideias, ter
conhecimento de novas ideias, esse conhecimento adquirido, tudo isso é trabalhado
pela mente consciente e a mente consciente, por si só, não pode mudar certos
programas do subconsciente. Se assim fosse, bastaria ler um livro e mudaríamos
automaticamente certas coisas e, na maior parte das vezes, não é assim que
funciona. Ou seja, ter conhecimento não chega! O resto é tema para outras
conversas, digamos assim.
Quanto ao passado, há quem diga
que antes do neolítico o ser humano era muito diferente em certos aspectos e
depois a tendência para se corromper, digamos assim, e complicar certos
aspectos da vida aumentou bastante (não defendo que seja necessário voltar
atrás no tempo, atenção). Há também outras teorias mais arriscadas acerca do
passado da humanidade e de outras civilizações avançadas que se extinguiram…
Penso que não se valoriza devidamente
o meio social, já falei nisto varias vezes. Para certas pessoas (uma certa área
das ciências humanas) não é lucrativo ou conveniente estudar, discutir,
debater, pressionar os governantes, ou tratar de muitos desses aspectos, ou
então colocam a coisa apenas num nível teórico e não saem dele. Outros, por
exemplo, da área da sociologia, quase não se ouve a sua voz, não sabemos o que
pensam nem que estudos fazem, não sabemos que soluções apontam (ou então tenho
andado distraído), mas suponho que não haja unanimidade em termos de teorias e
soluções. Mas seja em que área for (das ciências humanas ou não), o que mais
vemos e ouvimos (nos meios mais convencionais) são as mesmas coisas de sempre
(não concordo com grande parte delas, embora haja algumas também
interessantes), e verificamos, como era de esperar, um domínio absoluto da
economia/politica sobre tudo o resto.
Não sou contra especializações,
mas por vezes verificamos que não existe uma perspectiva total das coisas,
perde-se o todo e nota-se dificuldade em harmonizar, articular e ligar todos
esses conhecimentos provenientes de áreas diferentes. E muitos dos nossos problemas
surgem devido a visões parciais e fragmentadas das coisas, teorias e práticas
desactualizadas e, na minha opinião, pecamos por não simplificar a vida. Não
sou contra especializações, mas por vezes há que ser um pouco generalista ou
então saber como articular tudo (todas as áreas, não só as chamadas ciências
humanas) no sentido de retirar o máximo proveito.
As soluções que tenho tido
conhecimento, com algumas excepções, vêm principalmente de pessoas que no
presente não estão ligadas a universidades ou a instituições mais convencionais
ou ortodoxas, digamos assim. Na maior parte das vezes são sistemas, propostas,
soluções e pensadores livres…
Por isso, voltando aos genes, os
genes não determinam nada, os genes não são sentenças no que diz respeito a
certos comportamentos, os genes podem talvez predispor, mas isso tem muito que
se lhe diga. O meio influencia muito, a cultura influencia muito, a visão das
pessoas é totalmente moldada por uma determinada cultura. O meio ambiental e
social constantemente realizam o seu trabalho, mesmo que certas mudanças
demorem muito tempo...
Alguém poderia argumentar que não
podemos saber exactamente qual é a natureza humana (ou até dizer que não existe
tal coisa) porque é impossível separar o ser humano do ambiente ou do contexto
onde nasce e se desenvolve. É impossível separar o objecto do seu contexto. De
qualquer forma, existe tamanha variabilidade e diferenças que torna-se difícil
tomar uma decisão absoluta. E se existe uma natureza humana bem definida, até
que ponto ela é maleável? O ser humano é adaptável talvez e não fixo. E para
além disso, desconhecemos o futuro. Nada é imutável.
Pessoalmente penso que, por
exemplo ninguém nasce violento ou ganancioso, as pessoas aprendem a ser
violentas ou gananciosas, não é inato. Embora uns tornem-se mais facilmente
gananciosos e violentos do que outros, mas não é algo comum a todos e, sendo
natural e especifico da nossa espécie, tem de ser comum a todos em todos os
contextos.
Existem culturas fora da nossa
civilização e até mesmo comunidades muito específicas dentro da nossa
civilização onde a violência é praticamente nula e ninguém acumula riquezas
desmedidamente… Verificamos cooperação e não competição.
Podemos acabar com a escassez? De
que forma está tudo relacionado? De que forma podemos gerir os recursos da
Terra para benefício de todos, no sentido de evitar problemas e conflitos? Um
sistema monetário ajuda ou prejudica? Podíamos colocar muitas mais questões em
relação ao comportamento humano.
É evidente que existem diferenças
entre países e as diferenças fazem-se notar a diversos níveis, pois existem
razões para assim ser, mas, de uma forma geral, e como já tinha referido outras
vezes, independentemente das diferenças, o sistema e funcionamento básico é
igual para todos. Esse sistema não é seguro e carrega um potencial para problemas,
e uma vez estando todos no mesmo barco, o que acontece noutras partes do mundo
pode afectar-nos e as nossas acções podem igualmente afectar os outros. É
importante perceber o que é um ecossistema e é igualmente importante saber que
existe interdependência a todos os níveis.
O grande erro, na minha opinião,
é achar que a civilização mudou (a nossa), ela não mudou, apenas mudou de
máscara e manteve a mesma raiz, apesar da tecnologia, ciência (que não é
totalmente aplicada), leis e novos direitos. Mas as leis não podem mudar certas
coisas, uma pessoa que age na base da punição e recompensa, essa pessoa nunca
será genuína e suas acções serão baseadas na polaridade do medo e haverá sempre
uma forma de contornar a lei ou mesmo violá-la. As leis são como os
antibióticos, necessários por vezes mas problemáticos a longo prazo. Quantas
mais leis, mais confusões e novos problemas surgirão. As leis existem (muitas),
evidentemente fazem parte do pacote, não resolvem os problemas na raiz, mas é o
que temos neste momento para “segurar as pessoas”, e as elites geralmente
dão-se muito bem com boa parte dessas leis… Penso que o melhor seria começar
realmente a pensar na prevenção e promoção das condições necessárias para
construir esse tal ser humano que tanta gente fala e outros tantos não
acreditam. Penso que não faz mal nenhum pensar em utopias, a Internet já foi
uma utopia (e aparenta ser algo que tem tiques desse futuro. Em certo sentido,
é como um presságio, um prelúdio do que poderá surgir mais à frente).