Se quisermos aceitar a
possibilidade de “Deus”, enquanto experiência, existir, então, na minha opinião,
talvez possamos dizer duas coisas: Por um lado, “Deus” precede a religião; por
outro, “Deus” tem sido uma construção mental, social e cultural, tendo sido
moldado de várias maneiras e feitios, adquirindo características bem humanas,
antropomórficas. Podemos dizer que o Homem (certos homens) criou uma entidade
suprema à sua semelhança.
Podemos dizer que em certos casos
houve um aproveitamento e arranjo por parte das religiões? Sim, sem dúvida! Mas
isso não invalida a existência dessa realidade. Aliás, isso pouca importância
tem, porque, para algumas pessoas, essa experiência foi demasiado real, as
nossas palavras não a podem descrever convenientemente (existe essa
dificuldade), ultrapassa a nossa limitada compreensão, nenhuma religião pode
“raptá-la” apenas para si própria, e muito menos reivindicar exclusividade e
privilégios especiais, porque tudo isso são apenas simples pormenores, poeiras
triviais dentro de uma ampla realidade. É importante lembrar que nós não
conhecemos toda a realidade…
Essas experiências são coisas do
passado? Não! Essas pessoas estão aí, elas existem! Atravessa todas as
culturas, idades, nível cultural, económico, tanto faz ser ateu, religioso ou
outra coisa qualquer, ninguém fica de fora! Mas como podemos provar que eles
não estão iludidos?! Dizem todos a mesma coisa?! São questões importantes, mas
devemos ter cuidado com a ânsia em provar seja o que for, muito menos converter
desesperadamente as pessoas a isto ou aquilo. Contudo, isso não significa que
não seja importante estimular e conceder espaço para a partilha e estudo de
certas experiências, e também não significa que não haja mensagens importantes!
Por exemplo, sobre a Bíblia, e no
que diz respeito às críticas que o livro tem recebido, apenas posso dizer o
seguinte: eu não me considero um especialista da Bíblia, nem para lá caminho, e
até duvido que eu seja especialista de alguma coisa, mas, no que toca à Bíblia,
principalmente o antigo testamento (mas não só), é certo que podemos encontrar
coisas e situações que hoje nos parecem erradas e até horríveis. Mas não nos
podemos esquecer de que a Bíblia constitui um conjunto de textos, que foram
escritos por diversas pessoas (com diferentes naturezas e personalidades), em
diferentes épocas e contextos, e onde podemos encontrar História, mitos,
lendas, sabedoria, filosofia, visões, crenças, uma determinada linguagem,
normas culturais, etc, ou seja, um conjunto de aspectos que se juntam todos num
só livro (ou livros). Daí a sua riqueza, independentemente da leitura ou
interpretação que cada um possa fazer. E no que concerne a interpretações, isto
nem sempre é assim tão simples, pois, segundo alguns teólogos, torna-se
necessário contextualizar e não cair no erro de realizar interpretações
literalistas. Depois também existem várias formas de interpretar certos textos.
Há suficiente simbolismo presente e, para alguns, torna-se possível fazer uma
ponte com outras correntes de cariz mais esotérico, no sentido de encontrar
semelhanças em termos de sentido e mensagem, embora, como sabemos, nem sempre
existe unanimidade. Por isso, em grande parte, depende sempre um pouco do tipo
de leitor e das suas predisposições.
Na minha opinião, e não sendo
minha intenção fazer proselitismos, este tipo de textos precisam sempre de
filtros, os tais filtros culturais, é necessário tentar pelo menos tirar as
“vestes culturais” e ver a parte nua que se esconde por detrás. A Bíblia não
contém a verdade, a Bíblia (assim como outros textos) contém perspectivas dessa
verdade, e nem todas são perfeitas. E embora possamos dizer que o Deus
abraâmico (conceito que pouco se assemelha à visão taoista, por exemplo) é o
deus do livro todo, se repararmos, isso não é bem verdade porque podemos notar
que esse Deus vai mudando, vai até evoluindo… (pessoalmente, preferiria usar outra
palavra em vez de Deus, talvez diria que é uma realidade experienciada por
algumas pessoas, não necessariamente aquelas que escreveram os textos… E nem
sempre experienciada, mas, não raras vezes, simplesmente intuída e misturada
com bagagens culturais).
Por exemplo, podemos encarar o
dilúvio como uma história baseada em factos, uma vez que podemos encontrar
mitos de dilúvios um pouco por todo o lado…
Outro aspecto a salientar é a
tradução. As traduções podem alterar o sentido de certas frases. Isso tem sido
abordado também.
Pode até ser um cliché, mas
também gostaria de dizer que, embora haja diferenças entre as religiões (sim,
essas diferenças existem), é bom lembrar que, lá no fundo, todas falam do mesmo
e todas partilham a mesma raiz, pelo menos essa é a minha visão. Por isso, é
pena que algumas pessoas, sendo fiéis de determinada religião, não consigam
tomar consciência disso, e como resultado, temos as consequências que todos
conhecemos. Apesar de alguns esforços relacionados com ecumenismo, diálogo
entre religiões, etc. A ciência (ou ciências) também não tem de estar
completamente de costas voltadas para a religião, e nesse sentido têm sido
realizados também alguns diálogos, até com o budismo, por exemplo, o que me
parece interessante. Sem esquecer que a religião não é a única fonte de
espiritualidade, digamos assim, existem outras tradições, filosofias, práticas
e sistemas, até mesmo a própria literatura, etc…
Quanto ao ateísmo, tema que surge
muitas vezes associado à religião e à crítica às religiões, apenas tenho (e
temos todos) de respeitar as ideias, filosofias, e crenças de cada um, sejam
essas ideias partilhadas por ateus ou não. Contudo, posso e devo dizer que assim
como existe o tão amplamente falado radicalismo, fanatismo ou fundamentalismo
religioso, também existe o fanatismo e o radicalismo ateu. Por isso, é bom
alertar as pessoas para este facto, porque muita gente pensa que os radicais
apenas estão do lado da religião… Já sabemos que os ateus, em princípio, não
saem por aí a matar ninguém, seu modus
operandi é distinto, assim como nem todos os fundamentalistas religiosos
matam pessoas…
Para aqueles que pensam que a bíblia (e quem diz a bíblia diz também outros textos e livros) é para digamos engolir, assimilar tudo, sem qualquer tipo de sentido crítico, sem qualquer tipo de cautela. E já nem falo em relação a interpretações, contextualizações e afins, mas sim de outro tipo de aspectos que são falados no vídeo disponibilizado em baixo. As coisas são mais complexas do que alguns nos querem fazer crer.
ResponderEliminarDuas atitudes erradas: uns dizem que se deve deitar tudo ao lixo, nada presta; outros dizem que tudo deve ser levado à letra e tudo é e foi exactamente como está ali no livro.
https://www.youtube.com/watch?v=12ivIUIeFKQ