A dualidade está presente na
“mecânica” da nossa realidade. Pelo menos, temos essa percepção, mas poderá
essa percepção ser uma ilusão? Para uns, os opostos complementam-se e são
diferentes aspectos de uma mesma coisa. Para outros, são coisas distintas.
O prazer e o sofrimento andam de
mãos dadas, um esconde-se por detrás do outro. Parecem ser duas polaridades
opostas, mas, ao contrário de outro tipo de polaridades, talvez estejam
assentes numa lógica diferente… Não sei!
São, de facto, duas experiências
que fazem parte da vida:
Para uns, a vida consiste em
experienciar ambas as polaridades de forma intensa, o que significa que tanto
podem ter momentos de grande prazer assim como momentos de grande sofrimento.
Neste caso, existe uma alternância entre dois picos extremos;
Para outros, a vida consiste em
experienciar mais uma polaridade do que outra e em diferentes graus;
Depois existem também aqueles que
experienciam um equilíbrio entre as duas polaridades, mas sem atingir picos
extremos de cada uma delas;
Podemos fazer muitos tipos de
comparações e medições, mas, de certa forma, cada um sente as coisas à sua
maneira e situações semelhantes podem provocar diferentes emoções e reacções em
cada um de nós.
Não sei se há quem sinta
sofrimento no prazer, mas parece que há quem sinta prazer no sofrimento.
Dizem que ambos cumprem uma
função na vida (assim como algumas características pessoais que apenas se
transformam em defeitos quando o outro não as considera bem-vindas,
desaprovando-as…), dependendo da perspectiva que se queira ter (biológica,
psicológica, espiritual, transcendental, etc.). Mas, apesar de tudo isso, e por
razões óbvias, a maior parte de nós tende a evitar o sofrimento!
O prazer e o sofrimento terão o
mesmo grau de complementaridade que outras coisas? Poderemos prescindir de um e
ficar só com o outro?
Se puxarmos o prazer até um certo
limite, em seguida poderemos ter a conversão ou transformação na polaridade
oposta- o sofrimento (por exemplo, esse limite pode ser entendido em termos de
frequência elevada e excesso de estimulação. E o sofrimento pode vir na forma
de insatisfação permanente, mas não se resume apenas a isso…). Da mesma forma,
se o sofrimento for esticado até um certo limite, eventualmente cessará e em
seguida o alivio proporcionado virá na forma de prazer. Neste caso, na presença
de um certo sofrimento, também apelamos mais ao prazer, esse prazer é mais
desejado e poderá até ser sentido de forma mais intensa.
No entanto, não faz nenhum sentido
querer sofrer para a seguir experienciar o prazer de forma mais intensa.
Podemos conseguir essa intensidade sem primeiro passar pelo sofrimento
(provocado ou não). Apenas não precisamos de forçar esse prazer, ou seja, a
chave está na moderação e na criação de intervalos de privação que nos permitam
depois atingir o objectivo pretendido.
Se o prazer e o desejo não têm
nenhum tipo de freios e são procurados a todo o momento, o sofrimento e a
insatisfação estarão logo ali ao virar da esquina, estarão bem perto e
instalar-se-ão!
É evidente que a vida, se
possível, pode e deve ser um prazer constante. É legítimo ter ou buscar o
prazer e o bem-estar e certas situações são naturalmente possíveis de serem
vividas continuamente (por exemplo, o prazer de fazermos o que gostamos,
profissionalmente, artisticamente, etc). Mas já em relação a outros prazeres ou
situações, eles devem ser sabiamente geridos, pois objectivamente podem
provocar-nos insatisfação e até sofrimento.
Por outro lado, há, por exemplo,
um tipo de “sofrimento” que não é bem um sofrimento: o exercício físico! (claro
que tudo depende da intensidade e do tipo de exercício). Este não é de evitar
(caso não haja contra-indicações).
O exercício físico pode ser
facilmente controlado por nós e se for abordado convenientemente, geralmente
provoca um bem-estar que surge logo a seguir a esse “sofrimento”. Neste
sentido, é uma das formas de se conseguir obter uma sensação de prazer e
relaxamento e encaixa nesta ideia de conversão de polaridade.
Na prática, nem sempre
conseguimos atingir o equilíbrio desejado, mas tudo o que escrevi até aqui pode
ser facilmente verificável (não se trata de morais religiosas ou de outra
natureza similar, mas simplesmente consiste em estar atento e gerir as coisas
no sentido de melhor desfrutar delas…).
Há também quem diga que a
eliminação completa do sofrimento poderá ser atingida através da cessação do
desejo (de forma geral) e de uma espécie de transcendência, e temos várias
correntes religiosas e filosóficas que falam precisamente disso. Neste caso,
seria talvez a obtenção de um prazer diferente e duradouro.
Na minha perspectiva, é uma boa
ideia simplificar a vida, sim, mas só até certo ponto… (já falei sobre este
assunto, por isso não vou repetir). Mas cada um encontra o seu próprio caminho
e o seu próprio equilíbrio. Filtramos as coisas à nossa maneira, não há que
seguir doutrinas ou cartilhas rigidamente estabelecidas! Talvez não haja
receitas perfeitas e cada um tenha de encontrar a sua própria receita…
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